Minha lista de blogs

terça-feira, 26 de maio de 2009

CONHECER COM AFETIVIDADE?NIRVANA MARINHO


Em uma ensolarada tarde de terça, já conhecidos dias em que ele está em São Paulo, nos encontramos em uma pequena e sinistra sala da pós-graduação. Acompanhada de minhas perguntas, ainda que infinitas, de um gravador que não funcionou, de uma carinhosa colega, deparei-me frente a frente àquele que muitos admiram imensamente e cujas palavras e teorias marcam o coração e pensamento.

O Professor Jorge de Albuquerque Vieira teve sua graduação em Engenharia de Telecomunicações pela Universidade Federal Fluminense (1969), mestrado em Engenharia Nuclear pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1975) e doutorado em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1994), lugar no qual travou contato com as professoras Helena Katz e Christine Greiner, que o “roubaram” para as reflexões da dança. Como isso se deu, como a arte influencia seu trabalho científico, como astrofísica tem a ver com o movimento e por que a arte, são alguns dos assuntos que conversamos nesta tarde. Aqui, transcrevo livremente nossa entrevista, com um sincero agradecimento a este mestre que nos ensina a sermos humildes com o conhecimento.

O contato com a arte se deu desde o início da sua vida, quando desenho e pintura faziam parte do seu cotidiano. A herança das artes veio desde criança, por influência de sua mãe, mas decidiu abrir mão deste hábito, na medida em que foi seduzido pela física, matemática e filosofia e, na graduação, cursou engenharia (o que foi a melhor opção, naquela ocasião). Três anos mais tarde, ingressou na UFRJ, Departamento de Astronomia. A pesquisa na universidade foi se tornando o dia-a-dia, enquanto a arte, mais distante.

Segundo o Prof. Jorge, algumas coisas são inevitáveis para uma boa formação. Uma delas é recorrer à filosofia. Depois veio a semiótica que possibilitou aplicar a análise de sinais à astrofísica, sua área de pesquisa. Portanto, ciência e filosofia se tornaram o magma de sua atuação em pesquisa e ensino. Quem assistiu suas aulas, pôde perceber isso veemente.

Depois do doutorado (1994) e de sua aposentadoria (1998), sua experiência como docente do COS (Programa de Pós Graduação em Comunicação e Semiótica da PUC) e do curso de Comunicação das Artes do Corpo, também da PUC, marcou o início do ensino da Teoria Geral dos Sistemas para artistas.

Deu-se, segundo ele, um estranho fenômeno: uma receptividade profunda da idéia de sistema por parte dos artistas envolvidos na atividade corporal, possibilitando refletir sobre a natureza da dança à luz desta teoria (TGS - teoria geral dos sistemas). Principalmente, os conceitos básicos de realidade e crise estão em jogo. Uma pausa, vejamos.

Umwelt é um conceito de Uexkull (1992) para definir “mundo entorno, mundo à volta, mundo particular” para designar como interagimos com o ambiente. O conceito de Evolon, defendido por Mende (1981) é “uma proposta fenomenológica, apoiada na termodinâmica dos sistemas abertos da dialética entre organização/ desorganização, entropia/negaentropia”. Dito de outro modo, um modo de explicar crises sistêmicas, tomando por conta que todo ganho de complexidade é o ganha pão de todo sistema. Referência: o livro Teoria do Conhecimento e da Arte (2006) do nosso entrevistador descreve mais profundamente e discute estes conceitos.

O Prof. Jorge constatou que, em uma realidade sistêmica, o corpo vive constantes evolons. Isso foi e ainda é um estímulo para o pessoal da dança entender o que acontece quando criamos movimentos: crises.

Inevitavelmente pergunto sobre a necessidade da arte nesta realidade sistêmica. Ou seja, por que criamos? Por que fazemos estética?

O professor, sem hesitar, afirma que arte é uma estratégia evolutiva do mundo. A arte não é meramente um adereço, e sim faz parte da configuração da realidade. Como uma forma de conhecimento, lida com conceitos complexos da relação do ser vivo com o entorno, exigindo sensibilidade, e desprovendo muitos de nós, criadores, de um treino lógico, formal, como o da matemática, por exemplo.

Interrompo-o para falar de algo que se tornou a marca registrada, mas perfeitamente desejável de ser copiada do professor, que é sua afetividade com o conhecimento e com seu aluno.

Ele responde, com a arte e os artistas, “me sinto em casa”. É importante fazer o que se gosta, assim como ele aprendeu com os pais desde muito cedo.

Ademais, a ciência e a arte obedecem à lógica de construir conhecimento para se viver, por subsistência, uma competência do próprio saber e daquele que o faz. Por sua dificuldade e complexidade, uma única forma de saber não satisfaz. É necessária a fusão de várias formas de conhecimento e, não menos, é fundamental a humildade: para amar o que se faz, para reconhecer quando não basta um só saber, quando percebemos, neste ínterim, que o outro é diferente de você e que, ao lado do domínio vital sobre o saber, o poder de troca é igualmente vital.

Indispensável: discutimos sobre o saber-poder.

Jorge continua: não faz sentido pleitear autoridade de conhecimento. Devemos estar alertas e prontos para aprender com os outros. Ele faz uma linda metáfora com o restaurante: quando estamos em um restaurante, olhamos o prato de outro e dizemos - “puxa, isso deve ser bom” e queremos provar. Assim se dá a dimensão afetiva com o conhecimento: pelo prazer. Uma excelente maneira de aprender é perceber o prazer que o conhecimento fornece ao outro.

Novamente, por mais uma milionésima vez, me deparo comigo dizendo: “putz, é isso mesmo”. Como isso é real para quem faz arte, tanto a parte do prazer, como da autoridade. Estranho paradoxo.

O professor advoga: a vida fica mais suportável com o prazer.

Voltamos à estética.

A dimensão subjetiva e a questão de valor. Não. Segundo o professor Jorge, sua visão evolucionista não permite discutir estética a partir somente da subjetividade. Segundo ele, toda subjetividade tem uma raiz objetiva, não aparece do nada. Há uma realidade prévia que não depende de nós, mas se força em nós, que é a realidade, aqui entendida como sistêmica e sígnica. Ou seja, há vida em evolução antes de nós, há leis que regem esta realidade.

Segundo a biosemiótica, as estratégias de sobrevivência de seres vivos são estéticas. A reprodução, os ninhos. São estratégias de permanência.

Penso aqui nas inúmeras estratégias e táticas que formulamos em arte para existir, para evidenciar, para discutir velhos/novos e renováveis assuntos. Criar.

A estética, segundo o professor, é uma otimização, um grau de organização e de eficiência para permanecer, nada mais. Esta é raiz objetiva das razões pelas quais, subjetivamente, criamos. Sobreviver exige complexidade. Se você diz: vivo, mas sem complexidade, mas sem um grande amor, por exemplo (e que lindo exemplo!) - acredita Jorge -, você não viveu de fato. A estabilidade é confortável. E, diante da complexidade, este conforto faz com que o melhor seja a defesa.

Pausa. São tantas as situações em que o conforto e a defesa nos pareciam fora de contexto, em que pelejamos por complexidade, mas as situações de autoridade e controle nos cercam de razoabilidade. Por isso pergunto: por que tememos a complexidade, professor?

Complexidade exige tempo e trabalho.

Aqui, este artigo merece uma imensa pausa. Se quiser, pode ir tomar um café.

Pergunto se o professor assiste dança.

“Sim, procuro perceber nos espetáculos sistemas e lógicas”. Ele relata estar aprendendo a ler espaço-tempo, expressividade, música, cores. Também comenta do fascínio pela performance, como desempenho, e do seu vício em querer entender, interpretar, hábito herdado de sua formação nas ciências ditas exatas.

Portanto, dito isso e não pouco ou menos, o que muda no artista em contato com este nível de aprofundamento e entrelaçamento teórico?

Percebem uma dimensão extra, segundo Jorge. O que é possível de ser explicado, planejado. A dimensão sistêmica pode informá-los do que acontece com eles no ato de criação. Ele diz: “não sei até que ponto isso é bom, pode-se cair na situação de querer interpretar o tempo todo. Nem tudo pode ser traduzido. O sentimento é primeridade” (referência à categoria fenomenológica de Peirce, na qual se insere sensações, qualidades, sentimentos não descritíveis, que ocorrem em um rápido instante, seguidos ou misturados com secundidade e terceridade, outras duas categorias que explicam, juntas, todo e qualquer signo existente - para saber mais, vale consultar livros sobre semiótica peirceana).

Ainda sobre os artistas que se depararam com a ciência, ele comentou como as dançarinas, coreógrafas e os alunos que passaram e passam por ele lidam com essas provocações filosóficas. Os alunos são diferentes, depende de cada um: tem aquele que absorve e se organiza, tem aquele que só sente que há algo ali, e outros, um grupo pequeno, para os quais nada acontece.

Como todo e qualquer tipo de processo de aprendizado, leva tempo e dá trabalho. Criar complexidade no fazer. E por isso que estudamos?! No restaurante das boas idéias, do prazer de desfrutá-las, o convite do Prof. Jorge é de perceber o mundo com arte.

Conclui o professor, que a aproximação com tais teorias (TGS, semiótica) ajudam a perceber o mundo, e isso leva tempo, o que é um atributo do verdadeiro conhecimento, e que a arte, por sua vez, nos diz como sentimos, como nos inserimos neste mundo.

Bom apetite!

http://idanca.net/lang/pt-br/2007/12/06/conhecer-com-afetividade/5169/

Nenhum comentário:

Postar um comentário