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quarta-feira, 8 de julho de 2009

REFLEXÃO - DISCURSO E JOGO





Acredito que a dança tem um potencial elevado de conduzir a um discurso. Discurso este que pode estar conectado diretamente a interesses do artista que cria ou a interesses de sistemas. De uma forma ou de outra, suponho que as subvenções a trabalhos artísticos em dança podem estar relacionados a idéias que os sistemas buscam promover através das criações artísticas – e, sendo assim, o artista pode estar consoante com esses interesses ou estar sendo usado, sem ter a devida consciência do potencial discursivo de seu trabalho. Proponho que a dança, nesse caso, pode servir de instrumento para um discurso dos sistemas. Mesmo com a abstração intrínseca de suas configurações, ou seja, com a alta gama de leituras que podem ser feitas em torno de uma obra artística em dança, essas interpretações podem ser direcionadas ou focalizadas para intenções políticas, por exemplo. Na verdade, creio que o artista não está isento de uma prática política em seu trabalho.
Responsabilidade do artista, a sua obra apresenta um discurso inerente que está de acordo com sua visão de mundo, crenças e valores. O artista detém o poder de explicitar e lançar suas idéias e promovê-las, reverberá-las através do olhar do observador.
Nesse sentido, proponho que no exercício de assistir configurações em dança, o observador cumpra um papel ativo, e não apenas de observador passivo, distante de uma visão crítica e de suas idéias a respeito do que vê. Proposta que não é inovadora. Entretanto, é importante relembrar nos dias atuais da necessidade de uma leitura crítica diante do mundo e que a dança não está livre de discursos que estão relacionados ou conectados a interesses que devem ser percebidos ou descobertos. Assim, o observador atento torna-se também uma importante peça na “liturgia” da dança: não é apenas o artista que celebra e promove o seu discurso em cena, mas a platéia cumpre o papel de fazer suas próprias conexões e, assim, cabe a ela também fazer parte dessa celebração.
Citando Adorno, Zygmunt Bauman (2001), sociólogo polonês e grande pensador da atualidade, escreve:

“A história das antigas religiões e escolas, como a dos partidos e revoluções modernas, nos ensina que o preço da sobrevivência é o envolvimento prático, a transformação das idéias em dominação” (ADORNO apud BAUMAN, 2001, p.53).

Em outro momento, Bauman também cita Adorno, que diz:

“Nenhum pensamento é imune à comunicação, e fazê-la no lugar errado e num acordo equivocado é o suficiente para solapar a sua verdade [...] Pois o isolamento intelectual inviolável é agora a única maneira de mostrar algum grau de solidariedade. [...] O observador distante está tão envolvido quanto o participante ativo; a única vantagem do primeiro é a visão desse envolvimento e a liberdade infinitesimal que reside no conhecimento enquanto tal” (ADORNO apud BAUMAN, 2001, p.52).

Concordando com Adorno (apud Bauman, 2001), na pós-modernidade, estamos mais envolvidos do que podemos crer – como observador ou como participante ativo - na construção de um mundo onde as implicações de nossos atos ressonam e, sistemicamente, podem gerar resultados não previsíveis e de proporções incalculáveis.
Cabe a nós, artistas ou observadores, estarmos cientes do papel que cumprimos e que idéias estão sendo estendidas, expandidas, replicadas. Assim, evitamos que sejamos peças em um jogo que não temos o poder de jogar. Sejamos os piões, as damas, as torres e os reis – e lancemos nossas idéias – nós mesmos.

REFERÊNCIA:

BAUMAN, Z. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.

Autor-Arthur Marques de Almeida Neto
Mestrando pelo Programa de Pós-Graduação em Dança da Universidade Federal da Bahia e bolsista pela FAPESB (Fundo de Apoio à Pesquisa da Bahia). Especialista em Dança Contemporânea (UFBA). Licenciado em Dança pela Faculdade Angel Vianna (RJ).

segunda-feira, 6 de julho de 2009

Dualismo na Dança.Qual é, onde se manifesta e aparece?





“Corpo: o trançado da trama que se trança em rama”, (Katz, 2005, p. 94).
A primeira leitura dessa frase propõe a uma reflexão e reconhecimento do que se trata.Essa necessidade de um referencial para o entendimento é característico do ser humano e o conduz a um contexto essencialmente metafórico. Seria possível criar uma possibilidade de entendimento dissociada de uma prática artística,perceptiva e metafórica?
“Para Descartes, o você real não é seu corpo material, mas sim uma substância pensante e não-espacial, uma unidade individual da coisa-mente, totalmente distinta da coisa material” (CHURCHLAND, 2004, P.27).
O problema do dualismo já vem sendo discutido e citado há muito tempo. Na dança temos como exemplo: técnica e expressão (ballet clássico), texto e contexto (axé music), dança e não dança (dança-teatro), teoria e prática (dança contemporânea).
A maioria das discussões sobre essa visão dualista no universo da dança, situa-se em dança contemporânea, que ainda se encontra apegada aos conceitos modernistas em que determinados autores,artistas e professores citam que “a tarefa do artista é praticar a arte e não falar dela”.
Esse argumento encontra terreno fértil para não questionar, não relacionar e não por em dúvidas questões dogmáticas via dualismo cartesiano, alicerçando pensamentos rígidos e descontextualizados.
O tema teoria e prática em dança estão entre algumas questões a serem aqui discutidas.Pode-se exemplificar que em um simples ato de escolha de um caminho a ser tomado, ou de uma roupa de vestir, estamos praticando ciência. A questão é, como propor esta discussão tendo como ponto de partida o corpo? Como a teoria se apresenta no corpo em nível de entendimento e proposição?
O corpo “é sempre corpomente assim mesmo, tudo junto” (KATZ, 2005, p.129).
Quando se procede com reflexão,reconhecimento e construção em relação a um processo de criação, o artista recorre a um exercício de identificação sobre seu processo, suas estratégias de criação, que ao serem reconhecidos instigam um caminho compositivo sobre suas referências e seus procedimentos, conseqüente criando pontes de conexão e gerando documentos, sejam esses, resenhas, resumos, cartas, ensaios, etc.
“A teoria precisa ser necessariamente uma reflexão da experiência vivida, porque ela se organiza durante a ação” (GREINER, 2005, p. 23).
O exercício da prática teórica ao artista, no processo de criação, seja de dança, pintura ou música sobre quais procedimentos foram sendo utilizados durante esse percurso criativo, fortalece um perfil de pesquisador ao contrário de tê-lo como produtor de arte mecanizada, direcionada a uma demanda do mercado sem nada transformar ou acrescentar a sociedade. Ao sugerir um registro de quais são as estratégias coreográficas utilizados por um coreógrafo contemporâneo na sua composição coreográfica, propõe-se um despertar e refletir sobre esse processo criativo, conseqüentemente produzir documentos artísticos que impulsionarão novas cogitações acerca do processo de criação em dança contemporânea.
Importante ressaltar o quanto essa relação teórica e prática estão vinculadas, pois contextualizam e esclarecem, sem pré-conceitos a reflexão do artista em sua criação, como mola propulsora a novos questionamentos e também como um espaço de moderação e flexibilização à própria ação criativa do artista/pesquisador de dança.
Podemos então citar e argumentar como proposta ao problema do dualismo na dança, em relação à questão teoria e a prática juntas, como uma necessidade e fomento na produção artística, como forma de procedimento que ao nomear e reconhecer o que fazemos no corpo evita-se o reducionismo abstrato no conceito sobre dança , pois se entende que dança tem conseqüências éticas, políticas e estéticas.
Um relato de uma proposta de criação em dança, que tem como
ponto de partida o poema Partes do Corpo de Domiciano Santos, e o conceito de Homo sacer de Giorgio Agambem melhor exemplificam essa discussão.
A escrita desperta a reflexão no processo criativo, visa produção de documentos artísticos e o exercício de questionamentos em relação às intervenções,interações feitas pelos dançarinos.
A obra Partes sem Roteiros, do Grupo HIS Contemporâneo se propõe a discutir o corpo, livre de dicotomias, sendo inspirado no contexto urbano de Salvador, configurando-se numa improvisação dirigida.
Nessa pesquisa de dança a maioria dos dançarinos foram convidados , com informações corporais variadas e com formação artística diferenciada.
A escolha pela técnica de improvisação que vem sendo utilizada desde o início do grupo, possibilita focar uma maneira de atuar no qual a criação está centrada em casualidade e escolhas espontâneas, fundamentando-se no imprevisível e na percepção que antecede o movimento. Nesse contexto a técnica se estende à cena.
Durante o processo criativo foram sendo feitos proposições práticas no corpo, relacionando a teoria e reconhecendo naqueles corpos nexos de sentido (BRITTO, 2008, p.15), favorecendo criar conexões que busquem se reorganizar através de experiências operacionais de cada corpo em torno desse ambiente numa relação co-adaptativa.
“Sempre que as correlações entre coisas diversas resultarem na expansão de suas respectivas singularidades, produzindo, assim, uma nova conjuntura propícia para a continuidade de propagação dos nexos de sentido já articulados até aqui, então se configura a instalação de uma coerência” (BRITO, 2002, p.60).
Durante o processo foram utilizados também diferentes procedimentos em relação ao espaço/ambiente, movimento/ação e proposição/interação, além de relatos pessoais, leitura de textos e pesquisas científicas,com referências análogas de poesia e pesquisadores artísticos, buscando relacionar a prática teórica à artística.
A questão abordada nesse trabalho, é o corpo.A idéia ou o corpo como ponto de partida para criação da obra, ou seja, do que está se tratando e falando?
Em continuação a discussão sobre dualismo cartesiano, algumas danças quando nos são apresentadas geralmente não buscam contextualizar, a possibilidade limita-se a virtuose, ao entretenimento e ao estético.
Alguns importantes profissionais praticaram de forma dualista suas danças, representando o contexto político, social e cultural de uma época, a exemplo de artistas como Isadora Duncan e Martha Graham. Acreditavam e argumentavam sobre dança com o seguinte exemplo: dança é expressão, sentimento e técnica.
Pensar dança significa pensar corpo como mídia de si mesmo, atravessado por informações oriundas do ambiente, que ao serem processadas pelo corpo juntamente com as informações presentes, se reconfiguram continuamente.
Segundo a Teoria do corpomídia (GREINER, 2005, p.131) “o corpo não é um meio por onde a informação simplesmente passa, pois toda informação que chega entra em negociação com as que já estão”, enfim, este conceito embasa um pensamento pertinente à dança e justifica a necessidade que como pesquisadora em dança se precisa estar o tempo todo em acordos teóricos e práticos reorganizando-se e reconfigurando-se continuadamente.

Iara Cerqueira Linhares de Albuquerque
Mestranda em Dança/PPGdança.
Artigo produzido na disciplina Seminários Avançados
Profas: Fabiana Britto e Adriana Bittencourt
2008.1

Partes sem Roteiros(2008): Espetáculo criado em processo colaborativo como os seguintes bailarinos:
Iara Cerqueira
Jorge Santos
Sandra Corradini
Joubert Arrais




REFERÊNCIAS:

AGAMBEM, Giorgio. Homo sacer:o poder soberano e a vida nua.Belo Horizonte:Editora UFMG, 2002.
BRITTO, Fabiana Dultra. Mecanismos de Comunicação entre Corpo e Dança: Parâmetros para uma história contemporânea. Tese de Doutorado. São Paulo: PUC, 2002.
____________________. Paisagens do corpo. In: Corpo e ambiente.Co-determinações em processo. Cadernos PPGAU/FAUFBA-Vol. 1. Salvador:EDUFBA, 2008.
CHURCHLAND, Paul M. Matéria e Consciência: uma introdução contemporânea à filosofia da mente.São Paulo: Editora UNESP, 2004.
DAMÁSIO, Antonio.O mistério da consciência: do corpo e das emoções ao conhecimento de si. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
DAMÁSIO, Antonio. Em busca de Espinosa. Prazer e dor na ciência dos sentimentos. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.
DAMÁSIO, Antonio.O erro de Descartes: emoção, razão e o cérebro humano. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.
DESCARTES, René. Discurso do método. São Paulo: Escala Educacional, 2006.
GREINER, Christine.O corpo: pistas para estudos interdisciplinares. São Paulo: Annablume, 2005.
KATZ, Helena Tania.Um, Dois, Três. A dança é o pensamento do corpo. Belo Horizonte: FID, 2005.
MACHADO, Adriana B. O Papel das imagens nos processos de comunicação: ações do corpo, ações no corpo. Tese de Doutorado São Paulo, PUC, 2007.