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segunda-feira, 15 de junho de 2009

Interacao e conectividade proposto pelo Dimenti. Humor-Corpo-Politica.








CORPO SEM corpo.06 de Junho de 2009

Descrição de um estágio composicional artístico em tempo real.
Um exercício do olhar dentro/fora da ação.

Pessoas caminham vagando na rua, adultos, idosos, jovens, turistas, vagabundos, mendigos,bêbados...... Qual ao destino? Não importa.Se deparam com mais pessoas numa avenida em que se situa o metro quadrado mais caro de Salvador, e encontram corpos soltos, correndo no lugar, se embrulhando, sentados, pelo chão, pela rua, ajoelhados, deitados, embalados, se equilibrando, estáticos, com um plástico na barriga, com um pano cobrindo o rosto ou se lavando; não são corpos comuns, contém uma disposição diferente de quem transita naquela zona ou que tem um arquétipo de mendicância.
Ao som das buzinas de carros, das vozes das pessoas e de olhares que se tornam cúmplices no julgamento daquele momento sem nunca se terem vistos, se tornam parceiros e entrecruzam pensamentos como se fossem eles, os inquisidores, de julgados a julgadores que levam seus passos e adentram a esse ambiente.
Os espectadores,transeuntes, cada qual com sua história, memória e imaginação, pisam e registram sua passagem com rapidez e a uma distância segura para que não haja qualquer forma de contato, esbarro ou colisão com esses seres herméticos que atuam nessa rua em Salvador.
Esse processo não tem começo, possa ser que tenha se iniciado com o bate papo informal e despretensioso, proposto por Marcelo Evelin na sala de ensaio, com pessoas com absoluta vontade de experienciar, dando seus vastos depoimentos biográficos, ou no momento da performance na rua, ou ainda durante o decorrer desse processo pós-performance, isso irá depender de cada corpo.
Na performance no corredor da Vitória em Salvador/Bahia, a apresentação se deu como um processo já em andamento não se fazendo anunciar pelos sinais de salas de teatros que indicando o início de uma apresentação.
A impressão inicial é de que os corpos ali instalados pareciam se compor de vazios, corpos em total estado de solidão, que não se comunicam. Corpos jogados ecoam em meio ao aquele cenário rico e suntuoso da primeira capital do Brasil. Ao fundo, imagens compõem a ação, árvores centenárias, igrejas e museus seculares,lojas de presentes, olhos arregalados,colégio,edifícios suntuosos, adolescentes,banca de revista, construções, aparts. Não se tem objeto de cena,como: iluminação, cenografia, linóleo.O ambiente, que é a rua se revela de forma gradativa na medida em que as pessoas penetram aqueles corpos e perguntam:
"São loucos? Drogados?Ela é louca?Aconteceu algo nessa rua?Vamos chamar a polícia?Ato político?Onde está o SAMU?Não faça isso se não morre!Já fotografei, chega agora!Se mate vá! Cuidado para não ser roubado!Tão jovem e já enlouqueceu!
Será que morreu?Eu já vi isso, é louca mesmo?Moça, ele é doente?O que está acontecendo hoje?Pode entrar , amanhã tem mais!Nossa ele é forte mesmo!Olha, eu moro na rua, cuidado vão levar o seu Ray Ban(?).Tem um tempão que está se batendo na parede!Aceita uma escova minha filha?Ele tá ai a um tempão, viu?Ela está fazendo propaganda para a loja,volte que amanhã tem mais!"
Enfim,o corpo se torna uma mercadoria exposto e à venda para aquelas pessoas e suas descrições e análises pessoais.
Os transeuntes, que são os espectadores, faziam cada um o seu próprio diagnóstico, os olhares se tornavam mais questionadores e na frente dos performeres eles criavam certa intimidade, um ato evasivo próprio da baianidade soteropolitana.
Perguntam, ameaçam, questionam, soltam gracejos.......
O local centenário é sugestionador de imagens.Cada vez mais, pessoas param para observar a cena, induzidos pelas informações corporais transcritas pelos corpos/cadáveres , afim de se tornar também um participante ativo nessa ação que envolveu um coletivo de artistas que foram selecionados para participar de uma mini-residência com o coreógrafo Marcelo Evelin Piaui/HO, no projeto Interação e Conectividade III, proposta pelo Grupo Dimenti/Ba.
Em Itens de Primeira Necessidade, o processo de compartilhamento proposto desde o uso da roupa até o local da ação, foi uma das estratégias criativas coreográficas utilizadas e propostas para execução da performance/ação.
Aquelas cenas repetidas insistentemente de forma crua com ou sem roupas, que deixam à mostra os corpos,sentimentos e afetos, fazem também parte do processo artístico.Para o público eles não eram mendigos, pois eles observavam as formas do corpo, os corpos, e as roupas.Eles eram alguma coisa.Mas existia certo mal estar por causa daqueles corpos estarem localizados naquele local burguês, sem nenhum tipo de afrontação, mas de ação conjunta, numa mobilização continuada de pessoas que pareciam se situarem em um contexto fora dos padrões hetero-normativos de uma sociedade contemporânea.
Qualquer ação, poderia acontecer durante esse percurso, sem previsão sobre essas reações que podiam decorrer das relações entre os transeuntes e performers durante a performance, o grande desafio era atuar e ao mesmo tempo e manter a interação/conectividade não apenas no ser/estar corpo , mas em todos os elementos que compõem a rua, carros, lixo, pedintes, malucos, crianças..........
Fiz algumas perguntas durante essa ação:Como sobreviver e Resistir?
Seria, aceitar para sobreviver?
Nessa ação, lembrei dos corpos em Auschwitz, que eram submetidos a uma ideologia autoritária, perversa e na morte de pessoas e à razão de um Estado, que pretendia banir as diferenças, negando-lhes a própria humanidade. A sociedade contemporânea descrita por Zygmunt Bauman, se mostra na violência com o qual as pessoas olham aqueles corpos, com indiferença, para uns, com medo ou com piedade para outros, como essa performance foi aberta, propiciou leituras diferentes, um olhar que se reestrutura a medida que penetra ao pensamento e a partir da capacidade criativa e interpretativa de cada transeunte, ou seja espectador.
A dança é um fenômeno complexo, essa complexidade abrange estímulos que se envolvem para operarem de forma conjunta de maneira que se forma como pensamento do corpo.Essa definição de que a “dança precisa estar sendo feita”, dita por Helena Katz, cabe perfeitamente como é entendida nessa experimentação.As ações são realizadas inseridas naquele espaço-tempo, por meio de experimentos próprios e investigativos, rodeada por todo um local chamado Corredor da Vitória.
Todo o processo instigou de forma muito singular o exercício criativo, favoreceu e estimulou a percepção em relação à experiência contato/ rua, o conhecimento humano e a individualidade de cada artista, uma descoberta muito pessoal/processual.

Inesquecível!



Texto produzido após a participação em uma mini-residência com o coreógrafo Marcelo Evelin em 06 de junho de 2009, no corredor da Vitoria, Salvador/Bahia, como resultado de um processo artístico/criativo.Esse processo se organizou de forma compartilhada, em que questões como: percepção, convivência, ação e cinestesia foram detonadoras às discussões e reflexões surgidas durante o decorrer das experimentações, motivando o ser/estar em cena.

Autora do texto:Iara Cerqueira L. de Albuquerque
Mestranda em Dança pelo Programa de Pós Graduação em Dança – PPGDanca / UFBA, especialista em Fisiologia do Exercício (UNEB / BA) e Instrutora da Técnica de Pilates, Polestar Education, USA. Desenvolve pesquisa sobre estratégias coreográficas em dança contemporânea, sob a orientação da Profa. Dra. Adriana Bittencourt .

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

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