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domingo, 20 de dezembro de 2009

A PRÁTICA VIEWPOINTS:ESTRATÉGIAS INVESTIGATIVAS



Foto: Camila Carneiro Este ano eu tive o primeiro contato com a prática viewpoints com Donnie Mather no II ENGRUPE DANÇA, em outubro no Rio de Janeiro.
Essa prática me foi apresentada também por Fabiano Lodi e sistematizada pela diretora teatral americana Anne Bogart. A prática foi criada anteriormente por Mary Overlie na década de 1970, segundo Lodi, num bate papo informal durante o workshop. Lodi cita que Overlie foi influenciada pelas propostas experimentais de um grupo de artistas do qual fazia parte, a Judson Church Theater na década de 60.
Pela prática na sala com a aula de Mather , pude perceber a possibilidade de um exercício compartilhado e essencialmente investigativo a ser desenvolvido durante um processo artístico ou uma aula de dança.

“Neste sentido,os Viewpoints como prática teatral
na disciplina de Artes na escola se configuraram
como um caminho para o olhar sobre a relação com
o espaço que os envolve, com o próprio corpo, o corpo do outro,
a relação destes corpos no mesmo espaço,
a consciência do trabalho em grupo, ajuda mútua,
cooperação e a influência deste trabalho no convívio cotidiano”
(LODI, 2007, p.3)

Viewpoints tem como tradução literal pontos de vista, são desdobramentos dos Six Viewpoints (espaço, história, tempo, emoção, movimento e forma), sistematizados por Mary Overlie. No primeiro momento de experimentação pude compreender a questão do ponto de vista, ou seja, não quero dizer que essa tradução deva ser literal mas a concentração e a escuta ao outro são necessárias para execução do exercício me fez refletir sobre a possibilidade de se fazer cada coisa em um momento, fruto de uma constatação/conhecimento pessoal.Esse exercício de ouvir/sentir o outro intensifica o processo colaborativo de criação, referindo assim a uma negociação.“O corpo em constante negociação vive da aquisição de novos conhecimentos, uma vez que as disposições são continuamente modificadas”. (MACHADO,2007,p.19).
Assim, para agir preciso “olhar o outro” perceber o outro e escutar o outro.
O foco da improvisação se encontra no ambiente, nesse entorno, na relação com o outro. Nesse momento Mather cita “Um som só tem a altura no silêncio dos dois lados” (JOHN CAGE).
Refletindo, é necessário acordar tudo e todos e o corpo está ali, ouvindo,andando, pulando, correndo, caindo e recuperando.Me pergunto como trabalhar técnica e recuperação nessa prática?
Queda e recuperação precisam de certa forma de ajustes corporais para se fazer, um fortalecimento da musculatura esquelética, como também uma ação investigativa nas articulações. Isso pode acontecer perfeitamente durante o exercício de viewpoints durante as experimentações, ou especificamente somente na investigação.
As articulações são utilizadas para amortecer e proporcionar ao movimento de ação corpórea uma qualidade orgânica de cair e recuperar orgânicamente conseqüentemente ampliando sua capacidade/possibilidade investigativa.
A liberdade nesse processo é aparentemente solta, mas se encontra atrelada nas relações que acontecem durante todo o exercício improvisacional. As várias repetições não se tornam enfadonhas como em aulas de técnica, se tornam crescentes e a sensação é de que a performance está sendo construída reorganizando-se em todo o espaço, confortavelmente tomando conta da cena.
“Todo relacionamento entre pessoas, idéias ou qualquer outra coisa, instaura-se a partir de pontos de conexão advindos de algum tipo de similaridade entre as propriedades dos termos relacionados. Até mesmo a mais esdrúxula fantasia concebida baseia-se em dados da realidade percebida”(BRITTO,2008, p.12)
A dança é uma experiência cognitiva que opera em fluxo contínuo corpomente, sem a separação de movimento e pensamento, constituindo o que estudamos como teoria corpomídia (Katz & Greiner, 2005). Ela nos ajuda a entender que para qualquer que seja o treinamento de dança, o pensamento é entendido como o jeito que o movimento encontrou para se organizar, se apresentar, o que acontece durante toda a prática dessa técnica.
Numa pesquisa para universitários esses exercícios se apresentam não como uma fórmula/receita/modelo que dará certo, mas como uma proposta colaborativa/investigativa de aprendizagem que tem o umwelt como facilitador na quebra de cadeias habituais.
Lodi(2007, p.2), cita: “Viewpoints permite ao coordenador de uma prática corporal a diversidade de associações entre atividade física e artística, identificando socialmente princípios trabalhados nas aulas, bem como discutindo o nosso comportamento corporal nas aulas, na rua, em casa, com os amigos, entre outros”
Outras práticas podem ser experimentadas conjuntamente como essa técnica como Pilates, capoeira, contact.Nesse sentido essa prática para o dançarino reforça a busca à autonomia, conhecimentos e informações para enriquecer seus processos colaborativos de criação em dança. Enfim um exercício colaborativo que emerge das conexões estabelecidas conseqüentemente um exercício de adaptação e compartilhamento das propriedades emergentes nesse sistema dança . Nesse sentido teoria e prática se encontram numa co-relação em que para o ensino/pesquisa para dança, quer seja em escola infantil ou no curso de graduação se constrói argumentos na prática.Trazer referências teórico/práticas sobre as relações que se constroem no fazer educativo/artístico/criativo fomenta reconhecer a importância da teoria na arte como também da prática colaborativa/investigativa no exercício de dança.

Citações:
1.Donnie Mather trabalha há 12 anos com os métodos Suzuki e Viewpoints com Anne Bogart diretora da Siti Company.
2.Fabiano Lodi escreveu esse artigo como resultado final do seu projeto de pesquisa O corpomente em cena: as ações físicas doator/bailarino (2007/2008), desenvolvida no Centro de Artes (CEART) da Universidade do Estado de SantaCatarina (UDESC), coordenado pela Professora Dra. Sandra Meyer Nunes.
3.Bogart,Diretora da Siti Company. “Anne Bogart conheceu Mary Overlie em 1979 na Universidade de Nova Iorque e lá tomou contato com o seu modo próprio de estruturar tempo e espaço na improvisação em dança, que Overlie aplicava não somente na composição coreográfica como na sua metodologia de ensino.(...) Bogart conheceu Tina Landau no American Repertory Theatre, em Massachusetts,desenvolveram gradativamente um trabalho colaborativo ao longo de dez anos com os Six Viewpoints de Overlie aplicados ao teatro, expandindo para os nove Viewpoints”.(LODI, 2007, p.2).
4.Judson Dance Theater foi um grupo experimental de dançarinos da década de 60, considerados pós-modernos.
5.Mather participou do II ENGRUPE DANÇA: Diálogos e Dinâmicas no Rio de Janeiro, em outubro de 2009
6.São nove Viewpoints físicos (andamento, duração, relacionamento espacial, repetição, resposta sinestésica, forma, gesto, topografia e arquitetura.
7.Teoria Corpomídia, teoria desenvolvida pelas pesquisadoras Helena Katz e Christine Greiner. Essa teoria trata o corpo, não como um recipiente, mas implicado no ambiente o
que cancela a possiblidade de entendimento do mundo como um objeto fechado.
O corpo se apresenta nesse processo co-evolutivo de trocas com o
ambiente em fluxo que não estanca, no estado do sempre presente.
8.“Umwelt, termo proposto pelo biólogo estoniano, Jakob Von Uexkull, para designar a forma como determinada espécie interage com o seu ambiente.O Umwelt seria assim uma espécie de interface entre o sistema vivo e a realidade, interface esta que caracteriza a espécie, função de sua particular história evolutiva”(VIEIRA, 2006,p. 78).
9.“Um sistema pode ser conceituado como um agregado de elementos que são relacionados entre si ao ponto de partilha de propriedades. (...) Quando estudando estidades complexas, como obras de arte, encontramos a necessidade de conciliar coisa em princípio simplesmete diversas, mas que no contetxo da criação ganham coerência e vêm a formar todos altamente significativos”(VIEIRA, 2006, p.88).

REFERÊNCIAS:

BRITTO, Fabiana Dultra. Paisagens do corpo. In: Corpo e ambiente. Co-determinações em processo. Cadernos PPGAU/FAUFBA, Salvador: EDUFBA, v. 1, 2008.
KATZ, Helena; Greiner, Christine. Por uma teoria do corpomídia. In: ______. O corpo: pistas para estudos interdisciplinares. São Paulo: Annablume, 2005.
KATZ, Helena. Um, Dois, Três. A dança é o pensamento do corpo. Belo Horizonte: FID, 2005.
LODI, Fabiano. A prática viewpoints na escola: uma proposta de trabalho corporal na disciplina de artes. artigo escrito como resultado final do projeto de pesquisa O corpomente em cena: as ações físicas do ator/bailarino (2007/2008), desenvolvida no Centro de Artes (CEART) da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), coordenado pela Professora Dra. Sandra Meyer Nunes.
MACHADO, Adriana B. O Papel das imagens nos processos de comunicação: ações do corpo, ações no corpo. 2007. Tese (Doutorado) – PUC, São Paulo.
VIEIRA, Jorge de Albuquerque. Teoria do conhecimento e arte: formas de conhecimento- arte e ciência uma visão a partir da complexidade. Fortaleza: Expressão, 2006.

2 comentários:

  1. essa foto foi tirada por camila carneiro, no laboratório do brecha coletivo. pode ser legal indicar, dar os créditos. beijo

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